PÁGINAS INDEPENDENTES

29 de jul. de 2017

A ALÇA DA MALA - crônica






A ALÇA DA MALA

“Sou uma mala sem alça”... disse uma voz entre risonha e conformada. E eu, que já estava assustada  por estar chegando, pela primeira vez, a um encontro de deficientes físicos, fiquei surpresa e pensei:
- Ah não! Eu não sei como será minha vida como deficiente física, mas eu não quero ser uma mala sem alça!
Pus-me a imaginar uma mala: aquele objeto útil, que serve para acomodarmos nossos pertences quando viajamos, guarnecidas com alça e, algumas, até com rodinhas... queremos pôr dentro da mala coisas úteis – ou até mesmo inúteis – para empreendermos nossa viagem. Mas ninguém quer carregá-la e por isto existem os carregadores de malas.
Imaginei o viajante olhando desesperadamente para a esteira vazia do aeroporto e perguntando impaciente: “- cadê a minha mala?”.
Naquele momento, vi passar um grupo de soldados militares (carregadores???), destacados pra nos ajudar...
Olhei para mim: embora continue um ser humano, eu me transformei numa mala... pesada... aceitei este fato inexorável, mas decidi que vou estar sempre atenta para não perder a minha alça.
  Pensei comigo mesma que nenhuma limitação nossa deve sobrecarregar ninguém desnecessariamente e que cada um de nós deverá saber de qual tipo de ajuda necessita, seja ela qual for, para pedir apenas a ajuda necessária.
Ainda comigo mesma, questionei se tal atitude diante das nossas necessidades especiais, não poderia ser uma espécie de orgulho.
Em seguida, um pensamento me tranquilizou:
Ora! pedir apenas o necessário não me parece vaidade, nem falta de aceitação da própria dependência exteriorizada por necessidades especiais, mas sim respeito pelo próximo.
Ali na portaria daquele hotel/estância, enquanto eu e a minha cuidadora esperávamos que nos indicassem o apartamento que nos fora designado, eu percebi que devo alimentar, a cada dia, o respeito por mim mesma e pelo próximo, seja ele deficiente ou não, através da busca do conhecimento detalhado da minha própria deficiência, para poder estabelecer o limite real entre minhas possibilidades e impossibilidades... pude ver, então, que a minha responsabilidade social aumentou na mesma proporção que as minhas possibilidades físicas diminuiram e entendi que a alça da mala é a mão que eu posso estender para ajudar a ser ajudada.
A caminho do apartamento que me abrigaria por todo o fim-de-semana que começava naquela manhã ensolarada de sábado, pensei que eu aceito ser uma mala, mas jamais aceitarei ser uma mala sem alça.