A ALÇA DA
MALA
“Sou uma
mala sem alça”... disse uma voz entre risonha e conformada. E eu, que já estava
assustada por estar chegando, pela
primeira vez, a um encontro de deficientes físicos, fiquei surpresa e pensei:
- Ah não! Eu
não sei como será minha vida como deficiente física, mas eu não quero ser uma
mala sem alça!
Pus-me a
imaginar uma mala: aquele objeto útil, que serve para acomodarmos nossos
pertences quando viajamos, guarnecidas com alça e, algumas, até com rodinhas...
queremos pôr dentro da mala coisas úteis – ou até mesmo inúteis – para
empreendermos nossa viagem. Mas ninguém quer carregá-la e por isto existem os
carregadores de malas.
Imaginei o
viajante olhando desesperadamente para a esteira vazia do aeroporto e
perguntando impaciente: “- cadê a minha mala?”.
Naquele momento, vi passar um grupo de soldados militares (carregadores???), destacados pra nos ajudar...
Olhei para
mim: embora continue um ser humano, eu me transformei numa mala... pesada...
aceitei este fato inexorável, mas decidi que vou estar sempre atenta para não
perder a minha alça.
Pensei comigo mesma que nenhuma
limitação nossa deve sobrecarregar ninguém desnecessariamente e que cada um de
nós deverá saber de qual tipo de ajuda necessita, seja ela qual for, para pedir
apenas a ajuda necessária.
Ainda comigo
mesma, questionei se tal atitude diante das nossas necessidades especiais, não
poderia ser uma espécie de orgulho.
Em seguida,
um pensamento me tranquilizou:
Ora! pedir
apenas o necessário não me parece vaidade, nem falta de aceitação da própria
dependência exteriorizada por necessidades especiais, mas sim respeito pelo
próximo.
Ali na
portaria daquele hotel/estância, enquanto eu e a minha cuidadora esperávamos
que nos indicassem o apartamento que nos fora designado, eu percebi que devo
alimentar, a cada dia, o respeito por mim mesma e pelo próximo, seja ele
deficiente ou não, através da busca do conhecimento detalhado da minha própria
deficiência, para poder estabelecer o limite real entre minhas possibilidades e
impossibilidades... pude ver, então, que a minha responsabilidade social
aumentou na mesma proporção que as minhas possibilidades físicas diminuiram e
entendi que a alça da mala é a mão que eu posso estender para ajudar a ser
ajudada.
A caminho do
apartamento que me abrigaria por todo o fim-de-semana que começava naquela
manhã ensolarada de sábado, pensei que eu aceito ser uma mala, mas jamais aceitarei
ser uma mala sem alça.